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Funk: A Identidade Musical Brasileira na Era da Música Eletrônica

Funk, uma poderosa expressão da música eletrônica brasileira, destacando sua influência cultural e resistência

Funk: A Identidade Musical Brasileira na Era da Música Eletrônica
Vincent Rosenblatt

Se a música desempenha um papel essencial na construção da identidade cultural de uma época e de um local, o funk se destaca como um dos maiores símbolos da musicalidade brasileira. Mais do que um simples gênero, ele se consolidou como uma poderosa forma de expressão cultural e resistência. Mas o que fez com que o funk atingisse uma relevância tão significativa? Como ele se tornou a face da música eletrônica genuinamente brasileira? Para entender essa trajetória, é necessário revisitar suas origens e o caminho que percorreu ao longo dos anos.


Na década de 1980, o Miami bass se popularizou nos Estados Unidos com suas batidas hipnóticas, fortemente marcadas por linhas de baixo e o uso das famosas drum machines Roland TR-808. Esse estilo, que misturava estética ousada e letras explícitas — muitas vezes inspiradas no hip hop —, encontrou seu espaço nos bailes black do Rio de Janeiro. Lá, DJs perceberam a possibilidade de adaptar esse som às realidades locais. A simplicidade e a força do Miami bass foram fundamentais para criar uma sensação de identificação instantânea, mesmo em contextos tão distantes. Foi nesse cenário que DJ Marlboro se destacou, reconhecendo o potencial do gênero para ser moldado de acordo com as vivências das periferias cariocas.


Marlboro foi pioneiro ao incorporar elementos da música regional brasileira ao som do Miami bass, criando um estilo único que ecoava a identidade das comunidades periféricas. Lançado em 1989, o álbum D.J. Marlboro Apresenta Funk Brasil é considerado o marco inicial do funk, iniciando um processo de tradução cultural que resultou em uma recriação com uma linguagem própria. A fusão das batidas do Miami bass com as vivências cotidianas das favelas cariocas deu origem a algo inovador, mas ao mesmo tempo familiar, representando um hibridismo cultural onde a música eletrônica se tornou a ferramenta de expressão de um novo som nas ruas e nas pistas de dança.


Embora o funk ainda enfrente resistência dos meios tradicionais de música eletrônica no Brasil, a separação entre o funk e a música eletrônica é mais aparente do que real. Ambos os estilos compartilham muitas semelhanças: o uso criativo de sintetizadores, a importância do DJ e a estrutura rítmica intensa e repetitiva. Além disso, tanto o funk quanto outros gêneros da música eletrônica se moldaram a partir das suas respectivas comunidades, funcionando como meios de contar histórias através das letras e da produção musical.


Do underground de Chicago e dos armazéns de Detroit ao funk nas favelas do Rio e nas vielas de São Paulo, a música sempre foi uma ferramenta poderosa para a afirmação de identidade. Essa capacidade de inovação e adaptação é o que une as diversas vertentes da música eletrônica, criando um diálogo musical que ultrapassa fronteiras geográficas e culturais. A ideia de que esses gêneros nunca deveriam ter se distanciado é um convite para reconhecer o funk como parte integrante da música eletrônica.


Artistas como DJ Ramon Sucesso, Deize Tigrona, DJ Akila, FBC, Vhoor, Clementaum, e muitos outros, estão quebrando barreiras e ignorando as divisões entre os nichos da música eletrônica. Além disso, produtores e DJs da cena eletrônica também têm incorporado o funk em suas produções, como BADSISTA, Classmatic, CRAZED (BR), Mochakk, RHR e Valentina Luz. Beltran, DJ e produtor de Bento Gonçalves-RS, se destaca como um exemplo dessa integração de estilos.


Em 2022, Beltran se consolidou como um nome de referência, especialmente com o lançamento de "Smack Yo’", que se tornou um dos maiores sucessos da Solid Grooves Raw. A faixa gerou um fenômeno internacional, especialmente nas redes sociais, onde a música viralizou com o "Ombrinho Challenge", uma dança que rapidamente conquistou a Coreia do Sul. Curiosamente, o passinho que inspirou o desafio é do funk paulista, enquanto a música em si se encaixa no estilo tech house. Essa fusão de elementos ilustra a inovação do funk e sua capacidade de atravessar gêneros, consolidando sua presença na cena global da música eletrônica.


O sucesso do funk no cenário internacional reflete não apenas sua capacidade de inovação, mas também sua relevância cultural e política. Reconhecer o funk como parte da legítima música eletrônica brasileira é celebrar a diversidade sonora do país e dar visibilidade a vozes que historicamente foram marginalizadas. Devemos aprender a respeitar e abraçar essa complexidade, reconhecendo seu potencial e seu papel na evolução da música eletrônica.


O funk é uma expressão vibrante da musicalidade brasileira, e sua contribuição à música eletrônica é um ato revolucionário e unificador. Cada gênero musical carrega uma história única, e todas são legítimas. Se o funk não é seu estilo preferido, está tudo bem, mas o importante é aprender a respeitar as diferenças — seja nas pistas de dança ou fora delas.





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